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Teria Paulo resistido 'as autoridades?



https://youtu.be/Xm1N3M1qVjw

Você escreveu dizendo que concorda com quase tudo que digo, exceto com um não posicionamento contra os males que as autoridades querem implementar na sociedade. Eu nunca digo que o cristão não deva se posicionar contra aquilo que é contrário à Palavra de Deus. O simples fato de pregarmos a Palavra já nos posiciona contra tudo o que desobedece a Palavra. Mas se eu vou à sua casa e você me oferece "língua de boi com quiabo" no almoço, eu posso me posicionar contra comer língua com quiabo, que detesto por parecer que a língua do boi veio babando.

Todavia em momento algum eu irei querer que você deixe de consumir essa coisa ao meu ver nojenta — que é língua com quiabo — em sua própria casa. Então entendo que o cristão está neste mundo como visitante, não como morador, e assim não deve participar de protestos e manifestações públicas mais ou menos violentas, geralmente de braços dados com incrédulos que fomentam a desobediência civil, ou mesmo subsidiar esse ou aquele candidato político só por ele se alinhar em alguns pontos com a Bíblia com um canto da boca, enquanto com o outro faz alianças totalmente contrárias à Palavra de Deus para garantir votos, mandatos e articulações políticas.

O cristão corre por fora de tudo isso, mas tendo sua luz brilhando como um farol que é impossível de não ser visto. Eu tenho certeza de que se alguém perguntar a você sobre o meu posicionamento a respeito de assuntos polêmicos como ideologia de gênero, aborto e outros você saberá responder o que eu penso, mesmo sem nunca ter me encontrado portando um cartaz na rua ou queimando a efígie de alguma filósofa (ou devo chamá-la de “filósofx”?). Ao cristão cabe submeter-se à lei e não se opor às autoridades porque elas foram constituídas por Deus.

"Lembra-lhes que se sujeitem aos que governam, às autoridades; sejam obedientes, estejam prontos para toda boa obra... Sujeitai-vos a toda instituição humana por causa do Senhor, quer seja ao rei, como soberano, quer às autoridades, como enviadas por ele, tanto para castigo dos malfeitores como para louvor dos que praticam o bem. Porque assim é a vontade de Deus, que, pela prática do bem, façais emudecer a ignorância dos insensatos;  como livres que sois, não usando, todavia, a liberdade por pretexto da malícia, mas vivendo como servos de Deus. Tratai todos com honra, amai os irmãos, temei a Deus, honrai o rei. Servos, sede submissos, com todo o temor ao vosso senhor, não somente se for bom e cordato, mas também ao perverso; porque isto é grato, que alguém suporte tristezas, sofrendo injustamente, por motivo de sua consciência para com Deus." (Tt 3:1; 1 Pe 2:13-19).

Se o apóstolo tivesse, com sua atitude em Atos 16, tentado subverter as autoridades ou enfrentá-las, ele não poderia ter escrito aquilo que o Espírito o inspirou a escrever na carta aos Romanos:

"Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação. Porque os magistrados não são para temor, quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela, visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal. É necessário que lhe estejais sujeitos, não somente por causa do temor da punição, mas também por dever de consciência." (Rm 13:1-5).

Você alega que o cristão deve sim protestar contra as injustiças deste mundo e interferir em política e outras coisas, porque, segundo um pregador que ouviu, teríamos exemplo disso na Palavra de Deus. Segundo você, o pregador teria explicado que em Atos 16:35-40 Paulo e Silas teriam protestado contra a injustiça da lei depois de terem sido presos e castigados por terem pregado o evangelho, se opondo então às autoridades constituídas para fazer valer seus direitos.

Se o capítulo só tivesse a conclusão do que aconteceu com Paulo e Silas alguém poderia ser levado a esse pensamento, mas quando você observa o contexto todo verá que Paulo e Silas não protestaram quando foram açoitados e encarcerados. Ao contrário, eles ali agiram em graça e submissão às autoridades, e em nenhum momento alçaram a voz em brados contestatórios, mas sim em hinos de louvor a Deus e orações.

“E a multidão se levantou unida contra eles, e os magistrados, rasgando-lhes as vestes, mandaram açoitá-los com varas. E, havendo-lhes dado muitos açoites, os lançaram na prisão, mandando ao carcereiro que os guardasse com segurança. O qual, tendo recebido tal ordem, os lançou no cárcere interior, e lhes segurou os pés no tronco. E, perto da meia-noite, Paulo e Silas oravam e cantavam hinos a Deus, e os outros presos os escutavam.” (At 16:22-25).

Ao falar do contexto todo do episódio, que começou com a manifestação da multidão, a prisão de Paulo e Silas, a libertação miraculosa dos dois para assim levar a salvação ao carcereiro e sua família, culminando no reconhecimento das autoridades de que tinham errado. Mas em nenhum momento esta última ação foi no sentido de resistir às autoridades ou subverter os poderes constituídos. William Kelly comenta:

“Tal é o triunfo da justiça de Deus para todos os que se submetem a ela. No entanto, não é uma promessa em suspense, e menos ainda uma farsa, mas uma bendita e eficaz realidade da graça, para ninguém mais além daqueles que se submetem, qualquer que seja seu desejo e esperança para os demais. É doce ver juntos em ação o amor que se preocupa, e a hospitalidade, quando a fé purifica o coração. A mão da lei, restritiva e controladora, é uma grande benção num mundo pecaminoso; todavia, na melhor das hipóteses, o que é isso comparado ao trabalho da graça divina em um que acaba de nascer de Deus?

“E, sendo já dia, os magistrados mandaram quadrilheiros, dizendo: Soltai aqueles homens. E o carcereiro anunciou a Paulo estas palavras, dizendo: Os magistrados mandaram que vos soltasse; agora, pois, saí e ide em paz. Mas Paulo replicou: Açoitaram-nos publicamente e, sem sermos condenados, sendo homens romanos, nos lançaram na prisão, e agora encobertamente nos lançam fora? Não será assim; mas venham eles mesmos e tirem-nos para fora. E os quadrilheiros foram dizer aos magistrados estas palavras; e eles temeram, ouvindo que eram romanos. E, vindo, lhes dirigiram súplicas; e, tirando-os para fora, lhes pediram que saíssem da cidade. E, saindo da prisão, entraram em casa de Lídia e, vendo os irmãos, os confortaram, e depois partiram.” (At 16:35-40).

A disposição apaixonada que gerara aquele injusto clamor já havia passado, e na manhã seguinte foi emitida uma ordem para soltar os prisioneiros que tinham sido maltratados no dia anterior. O carcereiro repetiu naturalmente suas ordens, contente, sem dúvida, em libertá-los. Mas, assim como Paulo e seu companheiro tinham antes se submetido, sem reclamar e em mansidão, à injustiça da aplicação da lei, agora procedem com firmeza e de modo digno ao insistirem na aplicação da lei, do mesmo modo como faziam na proclamação do evangelho. Se existe um tempo em que se deve guardar silêncio, também existe um tempo para se falar, e somente o Espírito pode orientar alguém neste sentido, para o qual a Palavra é suficiente por garantir ambas as situações, cada uma no seu devido tempo. Aqui vemos as duas injunções realizadas em um mesmo episódio, e ambas resultaram em glória para o Senhor.

Mas nem sempre isso acontecia com servos tão honrados quanto estes. O próprio espírito deles podia, como ocasionalmente aconteceu, agir sem a clara direção de Deus. Foi o caso quando o Sumo Sacerdote foi repreendido por Paulo e quando apelou a César. Em ambas as ocasiões as consequências foram mais ou menos sérias, como pode ser visto quando chegarmos a esse episódio. Todavia aqui não existe dúvida de que o sofrimento silente de Paulo e Silas foi um forte e poderoso testemunho prático da graça, a mesma que nosso Senhor gostaria que caracterizasse os que são seus.

“Porque, que glória será essa”, diz outro apóstolo, “se, pecando, sois esbofeteados e sofreis? Mas se, fazendo o bem, sois afligidos e o sofreis, isso é agradável a Deus” (1 Pe 2:20 - “agradável” é derivado de “graça”). Os santos são chamados a sofrer assim. Curiosamente são aqueles que praticam isso que também ensinam isso, como fez então essa bendita dupla em Filipos. Eles foram censurados pelo nome de Cristo, e foram participantes de seus sofrimentos sem um murmúrio sequer, mas foi com orações e hinos de alegria que foram considerados dignos de suportar a injustiça e a vergonha pelo nome do Senhor.

"Mas agora que já tinham suportado tudo dessa forma, foi apropriado que ficasse provado que Paulo e Silas não eram malfeitores punidos com justiça com açoites, prisão e pés presos no tronco, mas que os guardiões da lei tinha sido culpados de uma flagrante, manifesta, e indesculpável injustiça contra os pregadores do evangelho. Chegou o momento de os pretores ordenarem que fossem soltos, e Paulo, ao contrário do carcereiro, percebeu o que isso significava. Por isso, disse-lhes o apóstolo: “Açoitaram-nos publicamente e, sem sermos condenados, sendo homens romanos, nos lançaram na prisão, e agora encobertamente nos lançam fora? Não será assim; mas venham eles mesmos e tirem-nos para fora.”.

"Sua exposição foi completa, embora apenas as autoridades e suas vítimas soubessem disso. Não havia nisso nenhuma sombra de ressentimento, nem o menor desejo de prejudicá-los, e nem de exigir que os que tinham ferido entregassem o poder àqueles a quem feriram. Todavia ficou demonstrado, sem qualquer dúvida, que no conflito entre as autoridades da lei romana em Filipos e os ministros do Evangelho este últimos não tinham deixado de ser honrados pelo gracioso poder de Deus, enquanto as autoridades haviam falhado completamente em reprimir os protestos, tornando-se líderes numa infração clara da lei que eles próprios deveriam impor.

"Os oficiais de justiça levam as palavras de Paulo aos pretores que, ao ouvirem dizer que as vítimas eram cidadãos romanos, não podiam esconder o medo, mas vieram e pediram desculpas aos prisioneiros. Aquilo era uma humilhação para eles, mas também um triunfo para os que estavam encarregados de levar o evangelho de Deus, e que tinham sofrido apenas como cristãos com o Espírito de glória e de Deus que repousava sobre eles.

"Com certeza os pregadores da graça não estavam dispostos a se desviarem da graça, e menos ainda de deixar patente que a verdade era clara. Tampouco quiseram lançar desonra sobre qualquer instituição humana, mas sim servirem de exemplo naquela sujeição por causa do Senhor, a quem claramente representavam, para poderem assim exortar a outros. Paulo e Silas receberam as desculpas com facilidade, nunca tendo pensado em processar as autoridades.” - William Kelly

Talvez você tenha pensado naquele outro episódio em que Paulo se vale de seus direitos de cidadão romano, usando da famosa “carteirada” tão comum no Brasil, tipo “Você sabe com quem está falando?”, mas aquilo foi um erro. O fato de algo ter sido feito por um apóstolo não significa que esteja certo, e o próprio Paulo aponta na carta aos Gálatas um erro que Pedro estava cometendo ao discriminar irmãos gentios para fazer-se amigo dos judaizantes. E não se pode perder de vista que aquela situação toda começou de um erro que veio antes, quando Paulo decidiu ir a Jerusalém apesar dos apelos do Espírito Santo por intermédio dos irmãos e do profeta Ágabo para que não fosse. Comece a abotoar a camisa com o botão errado e não se surpreenda se outros também acabarem no erro.

William Kelly comenta a “carteirada” de Paulo de Atos 22:25: “Isso obviamente colocou um fim na possibilidade de tortura, e o comandante ficou com medo por ter prendido Paulo. Mas teria o apostolo se apoiado na verdade cristã? Onde é que encontramos algo neste sentido em suas epístolas? E onde iriam o sofrimento e a graça celestiais brilharem como tinham brilhado até aqui? A unidade prática com Cristo desfaz todas as nossas condições naturais, e já não importa se é judeu ou grego, cita ou bárbaro, escravo ou livre. Cristo é tudo, assim como o é em todos os que são seus.”

por Mario Persona

Mario Persona é palestrante e consultor de comunicação, marketing e desenvolvimento profissional (www.mariopersona.com.br). Não possui formação ou título eclesiástico e nem está ligado a alguma denominação religiosa, estando congregado desde 1981 somente ao Nome do Senhor Jesus. Esta mensagem originalmente não contém propaganda. Alguns sistemas de envio de email ou RSS costumam adicionar mensagens publicitárias que podem não expressar a opinião do autor.)
Mario Persona é palestrante e consultor de comunicação, marketing e desenvolvimento profissional www.mariopersona.com.br. Não possui formação ou título eclesiástico e nem está ligado a alguma denominação religiosa, estando congregado desde 1981 somente ao Nome do Senhor Jesus. Esta mensagem originalmente não contém propaganda. Alguns sistemas de envio de email ou RSS costumam adicionar mensagens publicitárias que podem não expressar a opinião do autor.
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